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Vítimas do silêncio: A subnotificação de crimes sexuais contra crianças e adolescentes



Filha de família carente residente do interior do Maranhão, Maria, 12, é vítima da desigualdade social que assola o Brasil. A pobreza aguda e a fome ameaçadora são fatores suficientes para que o pai - mesmo titubeante - venda a filha para suposto trabalho em casa de família, visando a possibilidade de melhoria financeira. Após a oportunidade de emprego fora do estado, Maria migra para o Amazonas e ao cruzar a fronteira tem as perspectivas de vitória aniquiladas quando percebe ter sido cooptada para tráfico sexual.


O filme Anjos do Sol, baseado em fatos tão reais quanto cruéis, conta a história que é semelhante à de milhares de jovens no país, as/os quais são reféns da pobreza, da fome e das violências em suas diferentes faces. Em 2019, foram registrados 86,9 mil casos de violação de direitos de crianças e adolescentes, segundo os registros do Disque Direitos Humanos, incluindo diferentes tipos de agressões além da sexual.


A invisibilização


Os dados, alarmantes, escondem uma camada ainda mais densa, encoberta no silêncio amedrontado das vítimas e, sobretudo, de uma sociedade marcada pela cultura do machismo, sexismo e racismo. O Childhood Brasil, órgão de atuação no enfrentamento do abuso e da exploração sexual contra crianças e adolescentes, apresentou em relatório que 95.247 denúncias de violências contra crianças e adolescentes foram feitas em nosso país (Disque 100, 2020), mas que apenas 10% dos casos totais chegam às autoridades.


A subnotificação ofusca a realidade e o verdadeiro cenário de crimes sexuais infantil no país, uma vez que dificilmente os mesmos casos são levados ao Ministério da Saúde, por exemplo, ou outros órgãos de denúncia.


Segundo o “Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil”, lançado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 86% dos autores de estupro contra crianças eram conhecidos das vítimas, em sua maioria, residiam na mesma casa.


Embora tão necessário durante a atual crise sanitária, o confinamento trouxe consigo a preocupação no agravamento da subnotificação, juntamente à elevação no número de crimes. Isso porque, sem o acesso às escolas, importante rede de apoio e meio de denúncias, cresce a exposição à exploração e ao abuso.


O cenário na pandemia


A fome, em suas variações estatísticas nas últimas décadas, foi - e é - um dos monstros das famílias mais carentes do país, sobretudo no Norte e Nordeste. Muitas das vezes é um dos principais fatores para a venda de jovens e a exploração sexual de meninas e meninos.


Antes mesmo da exploração sexual, a família de Maria, no filme citado acima, assim como tantas outras, era alvo do abandono do Estado. Conforme indica o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), nos últimos três meses de 2020, 55,2% dos brasileiros vivenciaram a insegurança alimentar e 9% passaram fome - o dobro do registro realizado em 2009.


A falta de políticas públicas, o agravamento de crises econômicas e sanitárias produzem ainda “Marias”. Os números da pandemia preocupam porque o cenário socioeconômico da juventude pobre brasileira tornou-se ainda mais inseguro. Nesse caso, é provável que as lacunas causadas pela não notificação, e/ou pela descentralização de órgãos de denúncias, tenham se agravado e continuem crescendo em 2022.


Em pauta


No final do ano passado, 2021, a deputada federal Sâmia Bomfim apresentou o PL 4186/2021, cuja proposta é aumentar para 20 anos o prazo para ações reparatórias que tratem de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, este seria contado a partir dos 18 anos de idade da vítima.


A mudança foi inspirada no caso Francielle Wolff Reis. A jovem, vítima de abuso na adolescência, teve a reparação do crime negada, uma vez que a data da denúncia ultrapassava o prazo de três anos após a última agressão. A alteração tem impacto direto em casos não notificados imediatamente, ou seja, casos de denúncias feitas por adultos que sofreram a agressão ainda na menoridade.


Segundo a deputada federal, "Não raro, os sobreviventes deste tipo de crime somente são capazes de compreender a dimensão dos danos morais sofridos quando, em fase adulta, são motivados a perceberem a gravidade e existência destes danos, a partir de uma série de fatores sociais, econômicos e políticos”.


O PL, proposto por Sâmia, impacta diretamente nos casos de subnotificação. Uma vez que deve ser considerada a compreensão da vítima referente a consciência do crime e os danos sofridos. Comumente, jovens alvos de crimes sexuais demoram anos para ter a chance de denúncia ou para reconhecer e entender o que sofreram. “Assim, a alteração legal pretendida tem por objetivo compatibilizar a extensão dos danos e o período que a vítima tem para, em juízo, requerer reparação civil contra seu ofensor, sem que esta dependa da apuração e condenação na esfera criminal.”, explica a deputada federal.


Texto: Luana Farias

Ilustração: Karla Linck


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