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Luta e resistência: religiões de matrizes africana e indígena são alvos de violência


Foto: Reprodução/Internet

Apesar de garantida desde 1946, na Constituição Brasileira, a liberdade religiosa, de forma constante, passa por ataques e incertezas. A liberdade de cultos foi sugestão do escritor Jorge Amado, na época, deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro de São Paulo. Mas a história começa bem antes.


A intolerância religiosa teve início com a invasão portuguesa e com a implantação da religião católica aos povos originários. Com o decorrer, as crenças indígenas e africanas foram dominadas pelas doutrinas cristãs.


Não por acaso, a maioria dos ataques são contra as religiões de matriz africana, que lideram as violações com o indicador de 61%, segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. As manifestações vão desde agressões verbais, difamações, invasões e perseguições, até investidas físicas, que podem, infelizmente, resultar em mortes.

Embora assegurado na lei, o Estado não oferece condições para que as pessoas possam se expor e professar a sua fé. Por estar em situação de desamparo, apenas 0,3% da população brasileira declara que faz parte de alguma religião de matriz africana, de acordo com os últimos dados do censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


A xenofobia aliada ao racismo - frutos da colonização, do preconceito étnico-racial e da discriminação de gênero - projetam a negação de benefícios, de direitos e liberdades civis, o que ocasiona o preconceito religioso.


Atualmente, vem sendo debatido o termo correto para indicar os ataques religiosos. A explicação é de Vera Baroni, advogada especialista em Direitos Humanos, candomblecista e integrante da Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco. “O que se chama de intolerância religiosa é racismo religioso, uma das facetas do racismo, que é um sistema de poder cunhado no século XVI e mais do que nunca vivo, principalmente, em razão de todo o fundamentalismo do Governo Federal”, indica.



RACISMO RELIGIOSO


No primeiro dia de 2022, celebra-se a paz universal. No entanto, o que seria comemoração para alguns, foi pesadelo no litoral pernambucano. Em São José da Coroa Grande, o Terreiro das Salinas foi incendiado. A motivação está sendo investigada pelo Ministério Público, mas o principal apontamento permanece sendo o racismo religioso.


Objetos da celebração religiosa foram destruídos pelo fogo. Foto: Reprodução/G1

No perfil do Instagram, os representantes se posicionaram a respeito do ocorrido. No primeiro dia do ano, em que é tido como o Dia Universal da Paz, fomos violentados, tivemos nosso direito à fé interrompido, fomos vítimas de forma brutal do racismo religioso. Nosso Ilê Axé Ayabá Omi, o Terreiro das Salinas, de tradição Jeje-nagô, fundado há 2 anos pelo babalorixá Lívio Martins, estava sendo incendiado. Não é de hoje que os terreiros das religiões de matriz africana, afro-brasileira e afro-indígena tem sido alvo constante das violências, intolerâncias e racismo religioso que tenta impedir a realização de nossos rituais, da adoração aos nossos orixás e entidades sagradas. No entanto, ver a nossa casa de axé, nosso local sagrado, onde depositamos nossa fé, onde construímos cada canto com nosso suor e devoção em chamas é violento e perturbador”, expõe a postagem.


Por três vezes, o local teve os rituais interrompidos, o que revela a incidência dos incômodos. No livro Intolerância Religiosa (Jandaíra, 2020), o autor Sidnei Nogueira apurou os dados das denúncias do Disque 100, durante o período de 2016 a 2019, e comprovou que mais de 80% das ligações eram associadas às religiões de matriz africana.


Baroni revela o sentimento perante o caso. “É uma gravidade. Infelizmente, essa prática que a comunidade sofreu é comum no Brasil todo. E as formas de ataque são as mais diversas, vai desde perseguição por alguém usar branco na sexta-feira, até destruição de terreiros, o que evidencia o ódio das pessoas. Hoje, já existe um arcabouço enorme de garantia de direitos. Não podemos mais admitir a violação da dignidade das pessoas”, declara.


“O que aconteceu foi uma tentativa de apagamento, de silenciamento e opressão, mas que não nos impedirá de continuar a cultuar nosso sagrado”, aponta o perfil do Terreiro das Salinas.

Confira, na íntegra, a nota de apoio e repúdio que a ANEPE - Articulação Negra de Pernambuco divulgou, em parceria com 20 coletivos, entidades e instituições negras e antirracistas pernambucanas: cutt.ly/hIYJki4


Contribua e compartilhe com a reconstrução do terreiro: cutt.ly/SIYJK1S



O QUE DIZ A LEI


Os locais destinados ao culto de fé são certificados na Constituição Federal Brasileira de 1988. No artigo 5º diz-se que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.


Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos atesta, no artigo XVIII, que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.


Além disso, o Brasil é considerado um Estado laico - pelo menos na teoria - e reafirma o pensamento que a República e a democracia agem para que não exista uma ligação efetivamente direta entre o Estado e as religiões.


Portanto, Vera explica o necessário a ser feito. “As pessoas têm o direito, mas não conhecem. O grande trabalho é não só combater o racismo religioso, mas visibilizar o que é esse racismo religioso e como se manifesta no cotidiano, para que cada um tome consciência. É preciso chamar atenção das autoridades e incidir contra o aparelho do Estado. Também agir na instituição de lei de identificação de criminosos racistas e exigir a apuração das denúncias”, afirma a advogada.



AÇÕES DE COMBATE PARA ONTEM

No dia 21 deste mês, celebra-se o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa. A data nasceu por meio da Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


O dia escolhido foi em virtude da morte da yalorixá Mãe Gilda, em 2000. Após anos de ataque ao seu terreiro e à sua imagem, seu estado de saúde piorou, o que resultou no seu falecimento.


Monumento de Mãe Gilda, na BA. Foto: Marina Silva/CORREIO.

Em Itapuã, na Bahia, Mãe Gilda foi homenageada com um monumento. E mesmo depois de sua morte, continua sendo atacada. Pedras e telhas foram arremessadas contra o busto, que precisou passar por diversas restaurações.


Mecanismos estão sendo estudados e aprovados para sustentar a liberdade religiosa. No último dia 10, o Supremo Tribunal Federal promulgou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O decreto nº 10.932 foi aprovado desde 2013, na Guatemala. Porém, apenas agora, em 2022, é que a convenção passa a integrar a Constituição Federal Brasileira.


Vera Baroni também participa da comissão do mandato da vereadora do Recife, Liana Cirne, e está à frente do projeto de lei “Mãe Amara”. “A PL teve muita contribuição popular, principalmente de pessoas de terreiro. Atualmente, está em trâmite parlamentar, mas, se aprovada, vai construir garantias para que as pessoas exerçam sua religião com liberdade, principalmente no Recife”, comenta.


A intolerância religiosa inflama diversos problemas sociais, que tange a diversidade e pluralidade brasileira. Dom Helder Camara, grande defensor dos direitos humanos, declarou em “Mariama” que “problema de negro acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos. Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões. O mundo precisa fabricar é Paz”.


A atualidade do texto escrito pelo Dom da Paz incide com a fala de Vera. “Redes de apoio são importantes, porque as pessoas que tiveram seus direitos violados precisam de solidariedade. Temos que provocar o Estado, as polícias e o Ministério Público para que eles cumpram seu papel de responsabilidade de proteger a vida e os direitos individuais e coletivos. Se não enfrentarmos o racismo religioso esse país não vai ser democrático”, salienta a advogada.



Texto: Maria Clara Monteiro/Cendhec



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