“Já vi esse filme e não gostei”: membros do Cendhec reagem ao documento anti-esquerda do exército
Na última terça-feira, 7 de dezembro, o jornalista Rafael Moro Martins, do Intercept, divulgou que em 2020 o Exército Brasileiro realizou uma simulação com sua Tropa de Elite, onde o objetivo principal seria combater uma “organização armada clandestina”, a qual seria fruto de uma “dissidência do Partido dos Operários”, o “PO”, que “recruta e treina militantes do MLT”, o “Movimento de Luta pela Terra”.
Intitulada Operação Mantiqueira, a iniciativa aconteceu em novembro do ano passado em Piquete, São Paulo, local que é sede de uma das mais antigas unidades da Indústria de Material Bélico do Brasil, estatal vinculada ao Exército. Assinado pelo major Marcos Luís Firmino, oficial de inteligência do Batalhão de Forças Especiais (BPFesp), o documento deveria treinar alunos para combater o “Exército de Libertação do Povo Brasaniano”, o ELPB, “criado a partir de um projeto de partido político de caráter marxista e com uma organização armada clandestina, nascido de uma dissidência do Partido dos Operários e que recruta e treina militantes do MLT” que atuam em um “país fictício” chamado Brasânia. Referências que podem ser diretamente ligadas ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia, ao Partido dos Trabalhadores e ao Movimento de Trabalhadores Rurais pela Terra. A sigla MLT também pode ser correlacionada ao grupo pela reforma agrária chamado Movimento de Luta pela Terra, fundado na década de 1990 na Bahia.
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Presidente do Conselho do Cendhec, e membro da Comissão da Verdade, Manoel Severino de Moraes observa esse treinamento como um ataque direto aos Direitos Humanos e à proteção de movimentos democráticos. “A matéria é muito grave. Ela demonstra que o exército brasileiro desconhece completamente o relatório da Comissão da Verdade e todas as suas recomendações, desconhecem duas condenações internacionais da Corte Interamericana contra o Estado brasileiro em função do direito a memória e a verdade. Você tem nesses documentos um forte indício de criminalização dos movimentos sociais, dos políticos, de personalidades da esquerda. Uma tentativa clara de treinamento, em pleno século vinte e um, de organismos especiais, de militares vinculados a organizações internas do exército para intimidação, para uma capacitação contra essas organizações de esquerda. Isso deveria ser objeto de uma ampla investigação pelo parlamento, pelo Congresso Nacional inclusive pelos órgãos de controle. Não é possível que isso aconteça no estado democrático de direitos”.
“Eu diria que é um dos maiores escândalos desse governo, entre tantos outros que acumula. Isso tem uma gravidade maior porque mostra a repetição do treinamento, da criminalização, da estigmatização do pensamento crítico contra o governo. É um aparelhamento do estado a um pensamento que já deveria ter sido superado a partir do que o Brasil já avançou nas recomendações e no que se já escreveu sobre o direito a memória a verdade. Isso é um retrocesso e deveria realmente ser apurado, investigado com muita força e rigor”, completa o professor.
O ativista pelos Direitos Humanos, integrante do Conselho Fiscal do Cendhec e irmão de Fernando Santa Cruz, assassinado por militares durante a Ditadura, Marcelo Santa Cruz também enxerga a violência e derrocada que este tipo de ação representa à cidadania. “Já vi esse filme e não gostei. Parece-me que essa estrutura organizacional denunciada é semelhante ao doi-code do exército, do Cisa da aeronáutica, do CENIMAR da Marinha, que aparentemente funcionavam com autonomia e de forma paralela. Não assumiam a responsabilidade pelas suas ações criminosas.”
“Aqui em Pernambuco presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, o estudante de engenharia Cândido Pinto de Melo, em vinte e seis de abril de 1969 sofreu um atentado praticado pelos órgãos de segurança, com arma de fogo, tendo ficado paraplégico. Um mês após, em vinte e sete de maio do mesmo ano, era sequestrado, no Parnamirim, e assassinado sobre torturas o padre Antônio Henrique Pereira Neto, padre as comissões da memória e da verdade, a nacional e as estaduais. Não deixaram dúvidas, comprovaram através de vasta documentação de que havia um comando em cadeia até o Presidente da República, e que o exército cinza da aeronáutica, o Cinemar da Marinha estavam subordinados e supervisionados pelo estado maior das Forças Armadas e dos ditadores, os generais Humberto Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Ernesto Geisel Garrastazu Médici e João Batista Figueiredo. Nós familiares dos mortos e desaparecidos políticos, eufemismo de pessoas assassinadas sob tortura, nunca tivemos dúvidas de identificar e responsabilizar o exército, aeronáutica e a marinha pela prática de crimes contra a humanidade. Tortura nunca mais”, pontua Santa Cruz.
Jornada de Direitos Humanos do Recife
Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, data em que também se encerra a 8ª Jornada Municipal de Direitos Humanos na capital Pernambucana, Marcelo Santa Cruz participará do lançamento do livro “Heroínas desta história - Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura”.
A obra, do Instituto Vladimir Herzog em parceria com a Autêntica Editora, joga luz em 15 mulheres que estiveram na linha de frente da resistência à repressão. O evento, que tem início às 16h, no Monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, contará com a presença de uma das organizadoras da publicação, a jornalista Tatiana Merlino, além de Silvia Bessa e Fabiana Moraes, jornalistas pernambucanas co-autoras da obra. Interessadas e interessados no lançamento podem adquiri-lo pelo valor promocional de R$ 55.
Direitos Humanos e movimentos sociais
Ao contrário do que o exército brasileiro e o governo federal tentam emplacar, organizações sociais, movimentos e ativistas políticos de esquerda tentam, incansavelmente, garantir a dignidade de pessoas marginalizadas e minorizadas.
Inspirados na atuação de Dom Helder Câmara, voz potente contra a Ditadura Militar, o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social trabalha, há 32 anos, no estado de Pernambuco, afim de prestar assistência às pessoas em situação de vulnerabilidade, com foco na proteção de crianças, adolescentes e do direito à cidade.
Composto por assistentes sociais, psicóloga, pedagogas, advogadas e advogados, jornalistas, entre outros profissionais, pela primeira vez nestas mais de três décadas o centro precisou a distribuir cestas básicas, na tentativa de garantir o direito à alimentação e frear os impactos causados pela pandemia da Covid-19 e por um governo pautado na necropolítica.
A ajuda humanitária, que iniciou em 2020 e perdura, veio da mobilização, apoio de parceiros internacionais e doação de mantimentos. Foram distribuídas, além das cestas, kits de higiene e limpeza, com absorventes, e equipamentos para proteção individual, como máscaras. Foram montados, também, kits pedagógicos, incluindo lápis, borracha, cadernos, pastas e fones de ouvido, para auxiliar crianças e adolescentes nas suas aulas online ou oficinas ministradas pelo centro.
Na próxima semana, no dia 13 de dezembro, por exemplo, a ajuda humanitária será destinada a comunidade do Cardoso, no bairro da Madalena. Iniciativa que só foi possível graças à ajuda financeira da Associação Brasileira Organizações Não Governamentais (Abong). Na quinta-feira (15), mais cestas chegarão à comunidade do Bode, no Pina, fruto da parceria com a organização alemã Kindernothilfe. Outras distribuições estão previstas ainda neste ano.
Você também pode ajudar. Para contribuir com as ações desse centro tão importante para os Direitos Humanos, faça uma doação:
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social
Banco 237 – Bradesco S.A.
Agência: 1230-0
Conta Corrente: 39630-3
Código Iban: BR86 6074 0123 0000 0396 303c 1
Código Swift: BBDEBRSPRCE
CNPJ. 24.417.305/0001-61
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