Espelho Dom Helder: Revoluções impulsionadas pela fé
Religiosos fazem a diferença em suas comunidades, seguindo o exemplo de Dom Helder
“É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca”. (Dom Helder Camara)
Dom Helder, conhecido como patrono dos Direitos Humanos de Pernambuco, não leva o título por acaso. A partir de suas lutas em busca de justiça social, deixou um legado que, ainda hoje, permanece como guia.
Não precisa ser católico para concordar com as mensagens de amor e respeito deixadas pelo Dom da Paz. Grande admirador das suas mensagens, José Marcos é pastor há vinte anos da Igreja Batista em Coqueiral (IBC), no bairro do Coqueiral, na Zona Oeste do Recife. Após anos de estudos, conheceu as palavras de Dom através do padre Ernanne Pinheiro, de Dom Sebastião Gameleira e da Escola de Fé e Política Padre Humberto Plummen.
O pensamento social e o questionamento sobre os efeitos da Igreja no bairro de Coqueiral direcionaram o olhar dos líderes religiosos, e proporcionam o compartilhamento de aprendizados de humanidade e solidariedade com a comunidade.
“Aquela famosa frase de Dom Helder impactou muito quando tomamos ciência: ‘Se eu dou pão aos pobres, me chamam de santo. Mas se eu pergunto por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista’. Chegamos a conclusão de que a gente sabia dar pão ao pobre, mas não tínhamos consciência por que o pobre não tinha pão. Nos questionamos, primeiramente, sobre por que há pobreza, e depois, como agir nas suas fontes”, expõe o pastor.
Impulsionados pelos ensinamentos, a IBC desenvolve um papel sociopolítico em Coqueiral. “Nossa Igreja tem vinte projetos sociais, que, direta e indiretamente, atendem dez mil pessoas. Os eixos de atuação se dividem em três programas: Programa de Cidadania Integral, que atua com crianças e adolescentes, tanto na defesa e na garantia dos direitos, quanto em formações, que acontecem no contraturno escolar. O segundo programa é o Gerar - Geração de Emprego, Renda, Autoestima e Resiliência, que tem como finalidade ajudar as pessoas no seu primeiro emprego, com projetos que vão na linha filosófica da economia popular solidária, fugindo da regra do capitalismo. O terceiro é o 180 Graus, que fortalece grupos de comunidades e lutam por problemas comuns, aqui, no nosso caso, as cheias do Rio Tejipió”, explica o líder religioso.
Para o pastor, a Igreja é uma das principais incidências que atuam na comunidade. Em decorrência, as ações praticadas no bairro do Coqueiral atraem admiradores de Dom Helder. Em 2013, quando o Papa Francisco veio ao Brasil, um grupo de italianos católicos visitou a IBC e, carinhosamente, apelidou a Igreja de “Igreja Batista Helderiana”. “Eles queriam conhecer como era a vivência, na prática, de uma Igreja que era influenciada por Dom Helder. O seu legado é vasto. Ele é uma bandeira, no horizonte, acenando para nós e dizendo o caminho a ser seguido”, conta.
Não é preciso seguir o Cristianismo para se aproximar do legado do Dom. Patrimônio vivo de Pernambuco, Mãe Beth de Oxum, ialorixá, comunicadora popular e realizadora do Coco de Umbigada, no bairro do Guadalupe, em Olinda, exerce grande influência na sua comunidade.
Nascida e criada nas rodas de coco e nos terreiros, se reconheceu na cultura e na religiosidade apresentada. Mas é importante destacar o papel social, histórico e resistente que é passado de forma geracional. “São valores civilizatórios de um povo, que tem suas cores, seus cantos, seus ritmos, suas danças. Aqui, trabalhamos com assistência social, se colocando no lugar do outro(a) e tendo empatia”, destaca Mãe Beth.
Com o apoio de outros movimentos, conseguiram entregar cestas básicas para a comunidade, durante o período pandêmico, sem deixar de incentivar a cultura local. Desde 2005, quando o terreiro foi reconhecido como Ponto de Cultura pelo governo federal, são ofertados cursos de tecnologia para a população. “Temos um laboratório chamado LAB Coco - Laboratório de Tecnologia e Inovação Cidadã. A gente desenvolve projetos para que os alunos e alunas, geralmente, negros, afrodescendentes e da periferia, possam se tornar programadores, desenvolvedores de games, web designers. Ou seja, possibilitar para essa juventude ocupar esse lugar protagonista da tecnologia. Temos uma turma mista, de 18 a 29 anos, com 25 alunos; e outra, com 50 pessoas, apenas mulheres negras e que estão concluindo o ensino médio, na escola pública, ou acabaram de concluir”, ressalta a ialorixá.
Apesar da importância dos trabalhos desenvolvidos na comunidade, infelizmente, Mãe Beth ainda convive com episódios e relatos sobre violência policial e racismo religioso. No entanto, as diversas vidas transformadas alimentam os projetos, a vontade de resistir e de criar mais histórias.
O exemplo de Dom Helder é inspiração para Mãe Beth, que recorda as suas intervenções sociais. “Ele trazia o amor e o perdão. Hoje, estaria na rua, no hospital, com o refugiado, com o negro, com a mulher. Ele é mudança de vida, é revolucionário. Trazia uma Igreja comprometida com as bases sociais do país”, certifica.
“Que a voz de Dom Helder Camara e de tantos outros líderes religiosos e dos terreiros de matriz africana possam ecoar nesse país, e que, de fato, parafraseando Martin Luther King, a gente possa gritar e dizer: ‘parem de nos matar e de nos oprimir’. Tá na hora do pau comer”, sustenta Mãe Beth de Oxum.
Texto: Maria Clara Monteiro/Cendhec
Arte: Alcione Ferreira/Cendhec
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