Em Pernambuco, a morte é uma escolha política
Desde o dia 24 de maio, até o fechamento desta nota, Pernambuco soma 129 vítimas fatais oficiais e mais de nove mil desabrigados, em decorrência das fortes chuvas que caem no estado, e de uma escolha: a necropolítica, um projeto que tem como objetivo o apagamento da população negra e periférica, limando violentamente suas identidades, afetos e memórias. Nós, do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC), prestamos solidariedade às vítimas e seus familiares, e reivindicamos celeridade na tomada de providências pelas perdas inestimáveis. Elas e eles não são números. Todas e todos têm nome, endereço, famílias, amores e, certamente, tinham sonhos e almejavam futuro. Entre as vidas perdidas estão crianças e adolescentes, como Antony Miguel de Souza Silva, de apenas 10 meses. Histórias interrompidas de forma violenta, abrupta.
O fenômeno Ondas do Leste não é o único responsável pela tragédia que assola Pernambuco, como a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado têm disseminado. São 16 anos de uma gestão que traz no seu histórico de administração outras catástrofes como essa, que ainda está em curso, e a enchente de 2010, na Mata Sul Pernambucana, onde 20 pessoas morreram e 82 mil ficaram desabrigadas, nos 67 municípios afetados. Ambas aconteceram em anos eleitorais.
É urgente que se negrite outras responsabilidades destas gestões, a exemplo da ausência de políticas públicas em relação às condições de habitação digna para a população, que historicamente sente os efeitos das constantes investidas das desapropriações; má aplicação de verbas para moradia e ausência de projetos que escutem e considerem efetivamente as reivindicações das comunidades.
O nível de vulnerabilidade ao qual a população está sendo submetida é inaceitável e os danos se estendem às áreas social, econômica e psicológica. Ao mesmo tempo, esse cenário não é novidade. De acordo com o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), Recife é a capital brasileira mais ameaçada pelo avanço do nível do mar. Quando consideramos todo o planeta, ocupamos o 16º lugar neste ranking. Somos a capital mais antiga do país, e temos a maior parte do nosso território submerso. Estes são fatores climáticos que deveriam estar no radar de todas aquelas e aqueles que planejam e dirigem a cidade.
Os governantes, porém, mostram-se mais preocupados em aquecer o mercado imobiliário. Em 2020, por exemplo, o Plano Diretor da Cidade foi aprovado sem a ampla participação popular, como determina o Estatuto da Cidade Lei No 10.257, de 10 de julho de 2001. O documento, do jeito que foi assinado, trouxe graves ameaças aos assentamentos definidos como Zonas Especiais de Interesse Social. Permitindo que grandes construtoras possam comprar terrenos nestes espaços e construir edificações, favorecendo a gentrificação e o possível banimento das áreas ZEIS. Não foram levadas em conta, também, as Unidades de Conservação da Natureza, configurando um dos maiores retrocessos da legislação urbanística da capital. Dentre as emendas votadas, por exemplo, estava a AD397 que colocava em risco todas as UCNs, permitindo construções em locais como a mata de Dois Irmãos, o Parque dos Manguezais, a Mata de Brennand, as matas do Curado ou áreas como a Tamarineira. A falta de proteção e de investimentos públicos em áreas ZEIS e em Habitação de Interesse Social perdura, e é outro fator que torna a situação ainda mais séria, porque são essas localidades menos privilegiadas da cidade e suas moradoras e moradores as pessoas mais atingidas e castigadas pelos efeitos danosos até então.
Como resultado de todas estas escolhas, meninas e meninos se veem diante do desolador cenário de perdas de seus lares e familiares, falta de alimentos, água e cobertor. Escolas e creches estão sendo usadas como abrigos improvisados, impactando, novamente, a rotina educacional delas e deles, que já sofrem as consequências da pandemia da Covid-19 na educação. Agora, famílias estão amontoadas em espaços inadequados. Crianças e adolescentes, em especial meninas negras e periféricas, ficam ainda mais suscetíveis a violência sexual e outras violações de direitos, que vão de encontro aos princípios que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
É comum que vejamos, neste momento, diversos conteúdos veiculados por políticos que dizem ser solidários à causa. Entretanto, deles e delas devem partir mais do que palavras de apoio. São representantes do povo, têm como responsabilidade garantir que as políticas públicas sejam aplicadas. Devem trabalhar para que não vejamos mais pernambucanos soterrados em suas casas.
Nos posicionamos, enquanto sociedade civil organizada, enquanto defensoras e defensores de Direitos Humanos diante de uma tragédia que poderia, sim, ser evitada. Uma catástrofe que tem sazonalidade e propositalmente atinge sempre um lado da população, evidenciando os preconceitos de classe social e racismos estrutural e ambiental. Esta não é só mais uma nota de repúdio, um texto de posicionamento ou de pesar. É sobretudo um grito coletivo, inspirado e guiado pelos ensinamentos da luta de Dom Helder Camara, com intuito de ecoar longe e além, fazendo-se presente onde o estado não quer estar.
Máximo respeito em nome de:
Rosimery Silva de Oliveira – 47 Anos
Sérgio Pimentel dos Santos – 53 Anos
José Cláudio da Silva – 62 Anos
Aureogildo Antônio de Vasconcelos Júnior – 36 Anos
Alex Rodrigo da Luz – 41 Anos
Marcelo André da Silva – 34 Anos
Mikael André Oliveira da Silva – 12 Anos
Leonardo Pereira de Lemos – 32 Anos
Jose Felipe dos Santos – 35 Anos
Ezequias José de Oliveira – 42 Anos
Fabricia Regina Xavier Gomes da Silva – 11 Anos
Luanna Beatriz Silva de Oliveira – 19 Anos
José Felipe de Souza – 20 Anos
Pedro Henrique Luiz dos Santos – 13 Anos
Flávia Jaqueline Carlos Neves – 36 Anos
Andreza Carla do Nascimento Aguiar – 31 Anos
Rayssa Marize de Souza Silva – 25 Anos
Anderson do Nascimento Aguiar – 28 Anos
Rosenilda Maria de Oliveira da Silva – 42 Anos
Rayonara Ribeiro de Oliveira – 31 Anos
Elizangela da Silva Rocha – 35 Anos
Thays Lucia Oliveira da Silva – 22 Anos
Beatriz Santos da Silva – 1 Ano
Jose Estevão de Aguiar – 71 Anos
Thays Thayana Soares dos Santos – 13 Anos
Emily Marques Rocha de Lima – 4 Anos
Kaique Marques Rocha de Lima – 7 Anos
Helena Beatriz Souza dos Santos – 4 Anos
Marize Maria de Souza Silva – 43 Anos
Fabio Aguiar dos Santos – 32 Anos
Claudemir Barbosa de Sá Filho – 18 Anos
Maria Jose Gomes Silva – 81 Anos
Rosana Silva de Oliveira – 27 Anos
Iranilda Maria Jose da Silva – 43 Anos
Eliza Beatriz de Souza – 1 Ano
Antony Miguel de Souza Silva – 0 Ano
Richarlyson Andre Aguiar da Silva – 11 Anos
Jose Ailton Oliveira dos Santos – 34 Anos
Francisca Aguiar dos Santos – 63 Anos
Vilma Maria Xavier – 53 Anos
Lucas Ricardo Aguiar da Silva – 9 Anos
Ivandeque Carlos de Lima – 47 Anos
Maria Vandeilza Ramos de Aguiar – 59 Anos
Rumany Candido da Silva Junior – 7 Anos
Otavio da Silva Vieira – 49 Anos
Miguel André Oliveira da Silva – 4 Anos
Mauro Jorge Cardoso – 61 Anos
Yasmim Rocha da Silva – 9 Anos
Adriele Santos Rocha – 33 Anos
Camily Ferreira de Lima – 8 Anos
Rubem Rocha Alberto da Silva – 12 Anos
Paulo Gael Silva de Almeida – 1 Ano
Arthur Tomé da Silva – 19 Anos
Maria de Lourdes da Silva – 62 Anos
Celso Alexandre de França – 37 Anos
Joseildo Antônio da Silva Filho – 25 Anos
Maria Cristina da Silva – 55 Anos
Luís Carlos dos Santos – 39 Anos
Marcos Antônio da Silva – 51 Anos
Rosileide da Silva – 46 Anos
Maria de Lourdes Silva Correia – 69 Anos
Luciano José de Santana – 47 Anos
Edson Pereira dos Santos – 63 Anos
Shirleide Ronilda Silva dos Santos – 54 Anos
Alice Rebeca da Silva – 6 Anos
Mauricéia Rufino da Silva – 38 Anos
Robert Rodrigo da Silva – 13 Anos
Israel Cecilio da Silva Sebastião – 28 Anos
José Severo Filho – 75 Anos
Lana Beatriz da Silva – 6 Anos
Manoel Jorge da Hora – 84 Anos
Gelminia Maria da Silva Sebastião – 33 Anos
Maurício Luiz da Silva – 43 Anos
Paulo José da Silva – 47 Anos
Felipe Gabriel Lima Farias – 4 Anos
Alderice Maria da Silva – 61 Anos
Hadassa Lima da Silva – 3 Anos
Victor Henrique Silva de Lima – 1 Ano
Jaidete Lima de França – 39 Anos
Reginaldo Romão Paixão – 81 Anos
Severina Maria da Silva – 43 Anos
Emily Maria Silva do Nascimento – 20 Anos
Cleibson Gomes dos Santos – 25 Anos
Izaque Jose da Silva – 30 Anos
Luci Maria da Silva – 48 Anos
Matheus da Silva Ramos – 16 Anos
Elaine Maria da Silva – 26 Anos
Keven Deyvson da Silva Gouveia – 16 Anos
Samuel Heytor Nery Moraes Pereira – 14 Anos
Francisco Claudino de Oliveira – 61 Anos
Gerson Vicente da Silva – 60 Anos
Paulo Firmino Abreu dos Santos Filho – 3 Anos
Alysson Ferreira Barros – 43 Anos
Identidade desconhecida – Masculino
Djalma dos Santos Almeida – 70 Anos
Ketllyn Manuelle Rocha da Silva – 23 Anos
Lucas André Neves da Silva – 14 Anos
Maria Jose da Silva – 56 Anos
Gilvan Severino da Silva – 35 Anos
Nadine Fenelon Vallois – 26 Anos
Andreza Fragoso da Silva – 30 Anos
Telma Maria Maciel Abreu dos Santos – 40 Anos
George Gaspar Bispo – 40 Anos
Wanderson Ferreira Costa – 27 Anos
Leandro Severino Franco – 37 Anos
Aslan Cabral da Silva – 20 Anos
Flávio de Sousa Ferreira – 48 Anos
Ruth Soares da Conceição – 49 Anos
Lucinalva Maria de Souza – 57 Anos
Edmilson Dantas da Silva – 55 Anos
Rosimar Candida Pereira – 57 Anos
Thais Regina Ramos Feitosa – 31 Anos
Rn de Edna Jose da Silva – 0 Ano
Jefferson Mendes de Lima – 38 Anos
Wesley Sebastião da Silva – 27 Anos
Wildlane Maria Silva de Santana – 26 Anos
Gabrielle Sophya Calaça da Silva – 6 Anos
Gabriela Mendes da Silva – 24 Anos
Fabio Luiz Calaça Gomes – 41 Anos
Arthur Cabral da Silva – 7 Anos
José Melo da Silva – 70 Anos
José Pedro de Souza – 56 Anos
Teresa Bezerra de Souza – 81 Anos
Maria Helena Ribeiro – 45 Anos
Ulisses Vinícius Bezerra dos Santos – 21 Anos
Maria Jose da Silva – 61 Anos
Érico José de Araújo – 35 Anos.
Mércia Josefa do Nascimento – 43 anos
Lucas Daniel Nunes da Silva - 14 anos
Nota atualizada em 10 de junho de 2022
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