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Dia Nacional da Visibilidade Lésbica: a sexualidade enquanto ato político

Rosângela Coelho, pedagoga do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, compartilha um pouco da sua vivência no dia destinado à Visibilidade Lésbica

Foto: Arquivo

Arte: Alcione Ferreira / Cendhec

“Eu entendi a minha sexualidade muito cedo. Desde o primeiro momento que em uma jovem desperta o desejo de estar com alguém, desde o primeiro momento que desperta em um ser humano o desejo sexual-afetivo, em mim despertou por mulheres” diz Rosângela Coelho, pedagoga do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, ao relembrar da adolescência. “Mas não pude vivenciar naquele momento por estar inserida dentro de uma sociedade patriarcal, machista e que me deixou com medo de romper com alguns valores.” Hoje, 29 de agosto, celebramos o Dia Nacional Visibilidade Lésbica, data destinada ao reconhecimento de experiências como a de Rosângela. Este marco foi escolhido ainda em 1996, durante a realização do I Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), que ocorreu em 29 de agosto de 1996. Neste, e nos outros SENALES que seguiram, mulheres defendiam o direito à vida, saúde, trabalho e o respeito a sua forma de amar e viver. Um aceno a dignidade que a pedagoga e tantas outras ainda esperam receber.


O Brasil, de acordo com levantamento da Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia, divulgado em maio deste ano, registrou 237 mortes violentas de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) em 2020. Ao todo, foram contabilizados 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). Mas lésbicas não sofrem apenas com a LBTQIA+fobia. Segundo o Datafolha, uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência durante a pandemia e estima-se que a cada 7 horas acontece um feminicídio em nosso país. A maior parte das vítimas são negras e nordestinas. Estas são pautas que se atravessam, e que exigem um olhar amplo e respeito as interseccionalidades.

“Eu sou negra antes de ser lésbica, então como criança negra eu sofri racismo, como adolescente negra eu sofri racismo e hoje como uma mulher negra eu sofro racismo e lesbofobia. Mas, é com muita garra, com militância e com muito estudo que a gente se prepara para o enfrentamento a essas duas questões tão importantes e vai construindo conhecimento no nosso dia a dia. E para além de ser negra e lésbica, eu sou também uma mulher gorda e periférica, e isso me faz vivenciar também a gordofobia. Nosso corpo também é um corpo político e a forma como essas pautas cruzam a minha vida impactam a forma que eu escolho estar no mundo, trazendo para minha atuação enquanto sujeita política as questões que me impactam pessoalmente”, comenta Rosângela. “Ser mulher e lésbica já nos coloca em uma condição de vulnerabilidade e além disso ser uma mulher negra acaba aumentando essa vulnerabilidade. Essas duas pautas se cruzam com muita opressão diante de uma sociedade que o tempo todo tenta nos tornar invisíveis, que o tempo todo é racista, machista e lesbofóbica. Ao se cruzarem, essas pautas também se cruzam com a nossa resistência. É bastante difícil falar desse lugar.”


A violência acontece também no silêncio. De acordo com pesquisa da Center for Talent Innovation (2016), pelo menos 61% das/dos profissionais LGBTQIAP+ não se sentiam confortáveis para se assumirem no ambiente de trabalho. Além disso, 41% das /os entrevistadas/os relataram ter sofrido algum tipo de discriminação no expediente. Levantamento da Elancers (2015) apresenta que 20% das empresas brasileiras não contratam gays, lésbicas, travestis e transexuais em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero. Ainda de acordo com a empresa de sistemas de recrutamento e seleção, 11% só contratariam se o candidato não ocupasse cargos de níveis superiores.


Por viver estas questões de perto, e ter contato com movimentos sociais que buscam quebrar estes padrões, Rosângela busca sempre manter o assunto vivo. “Trago essas pautas também para a minha atuação profissional, fazendo enfrentamentos, desconstruindo preconceitos, disseminando conhecimento sobre as temáticas, nas formações dos(as) jovens com quem trabalho. Falar e enfrentar processos de racismo é fundamental no papel como educadora, é algo que tem muita força e também legitimidade na minha vida. Costumo dizer que eu sou aquilo que eu faço e eu faço o enfrentamento ao racismo, ao machismo, à lesbofobia, luto contra as opressões à minha forma de amar e estar no mundo”, aponta. “Enquanto mulher adulta, lésbica e politizada, eu estou sempre ocupando com a minha identidade todos os espaços sem exceções porque sinto a necessidade de evidenciar minha existência, inclusive enquanto família com a minha esposa. E se a gente falar nos espaços profissionais então temos um ambiente muito violento. Algumas empresas não reconhecem as famílias homoafetivas, a mulher lésbica, o homem gay, as pessoas LGBTQIA+ como um todo, e é uma pauta que precisa ser trazida e questionada.”



Viver um amor, uma paixão, para alguns pode ser apenas fácil e prazeroso. Mas quando há tantos ataques diretos e indiretos, torna-se também um ato político. Uma expressão da própria cidadania. Hoje, Rosângela está casada com Tais, e compartilha com ela a vida e as lutas. “Minha esposa é também uma mulher negra, periférica e militante. Ela, das periferias de Olinda e eu, da Zona Norte de Recife. Matamos dois leões todos os dias. Vai desde as coisas simples, como quando chegamos a uma nova vizinhança e querem lidar com a gente como se fossemos irmãs, temos sempre que nos afirmar como casal, dizer que somos esposas, somos companheiras. Precisamos criar estratégias de sobrevivência. A violência contra a nossa comunidade é real, ela existe. Somos militantes, sim, desde a hora que a gente acorda, mas a gente também quer viver. E contra a violência precisamos sempre criar estratégias para estarmos juntas, lutando pelos nossos direitos.”


Para Rosângela, os esforços valem a pena. “Se a gente olhar para trás, a gente começa a enxergar diferença desde a sigla que define o movimento. Passamos por GLS, LGBT, hoje LGBTQIA+ e talvez outras venham a ser reconhecidas. Significa que estamos agregando não as novas sexualidades, porque elas sempre existiram, mas agora estão sendo nomeadas e podemos entender, de fato, como as pessoas sentem e querem ser vistas. É importante dar essa visibilidade e respeitar todas as pessoas, incondicionalmente”, frisa. “Não traria que estão sendo abraçadas e sim pautadas, com muita luta e garra. É importante dar visibilidade às diversas formas de lidar com a sexualidade, ter várias representatividades nesse sentido como a sigla mostra ao pé da letra. Dar visibilidade a outras formas de amar tende a nos fortalecer para estarmos juntos e romper com a imposição da heteronormatividade. Somos livres e diversos.”


A pedagoga enxerga este 29 de agosto como mais uma oportunidade para exigir respeito. “Hoje é um dia de resistência, de luta e de visibilidade. É o dia em que vamos para as ruas gritar que nós existimos, construímos famílias, somos intelectuais, profissionais diversos, temos nossos valores, amores. Falar de visibilidade lésbica é também falar de posicionamento político diante de um cenário de retrocesso. O Brasil elege um homem - que eu nem consigo chamar de presidente - que sempre expressou muito ódio, muita raiva pela nossa comunidade e isso nos diz muita coisa sobre o país que a gente vive, isso nos diz o quanto a gente precisa avançar, o quanto a nossa luta precisa estar engajada e o quanto a gente precisa se fortalecer todos os dias. Falar de visibilidade lésbica no cenário atual é a atuação da resistência, é ter a consciência que a gente precisa resistir e dizer que nós estamos aqui e fazemos parte desse país.”

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