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Dia Internacional da Luta Contra a Violência à Mulher: A negligência fere tanto quanto a agressão




No último sábado, 20, iniciou-se a campanha anual “21 dias de ativismo pelo fim da violência à mulher”, a qual, no Brasil, é ligada ao Dia da Consciência Negra. A campanha mundial criada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1991, tem originalmente 16 dias e começa em 25 de novembro. O programa tem participação do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Assembleia Legislativa e sociedade civil.


Em mobilização, estados de todo o Brasil organizam atividades de informações e serviços. Com a pandemia da Covid-19, um dos enfoques dos debates é a maior vulnerabilidade na qual mulheres vítimas de abusos se encontram. Em pesquisa do Instituto Datafolha e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), em 2020, as agressões domésticas representaram 48,8% das violências às mulheres - aumento de 6,8% em comparação ao ano anterior. O isolamento social, necessário para conter o vírus da Covid-19, foi, em contrapartida, um dos agravantes significativos de um mal já existente, uma vez que a maioria das vítimas estão confinadas com seus agressores.


Mulheres negras


Na última segunda-feira, 22, em live via Facebook, o Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e o Comitê de Monitoramento da Violência e do Feminicídio no Território Estratégico de SUAPE (COMFEM), organizaram os debates com o assunto voltado às mulheres negras. Mônica Oliveira, membro da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, participou das discussões e fala da importância de tais âmbitos: “Para nós, do Movimento de Mulheres Negras, estar nesses espaços de debate, de lives, de análise, é importante não só para fortalecer a nossa participação política, visibilizar as nossas questões, a nossa agenda de lutas, as nossas propostas, mas também para construção de alianças. O enfrentamento ao racismo, o enfrentamento ao sexismo, o enfrentamento a todas as formas de violência, demanda alianças políticas para atuação conjunta”.


A junção da programação da Consciência Negra ao programa de luta contra os vários tipos de agressões à mulher, visa debater a realidade da mulher negra e periférica na temática. Segundo o Atlas da Violência, pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), mulheres pretas foram 66% das mulheres assassinadas no Brasil, em 2019 - com aumento de 2% nos últimos 11 anos.


Desemprego


O racismo é, historicamente, um agente de violências - inclusive de gênero - portanto, fortalece bases já hostis. Negligências estruturais do Estado, o desemprego, a fome e a dificuldade no acesso à educação, são algumas das inseguranças vividas por mulheres negras, sobretudo moradoras das periferias do Brasil. Em relacionamentos abusivos, é comum mulheres desempregadas apresentarem significativa dependência - financeira - de seus parceiros.


Conforme analisa o PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a taxa de desemprego é de 13,7%. Embora apresente queda em relação ao trimestre passado, o Data Labe, laboratório de dados localizado na Favela da Maré (RJ), analisou dados do PNAD Contínua de 2017 a 2021 e do "Pandemia na Favela - A realidade de 14 milhões de favelados no combate ao novo Coronavírus", e constatou que o número de mulheres negras desempregadas é o dobro em relação ao de homens brancos. Retrato, também, de negligências do atual governo em ignorar os danos socioeconômicos acentuados pela crise sanitária. O difícil acesso ao emprego formal entre a população negra expõe uma realidade de crise humanitária que se agrava.



Insegurança alimentar


O acesso à alimentação é um direito básico, mas, também, urgente. Evidentemente, a negação de direitos básicos a uma população já marginalizada, têm respostas brutais. No caso dos lares chefiados por mulheres negras, 10,7% se encaixam no quadro da fome, segundo a Rede Penssan.


O cenário de coerção, ameaça e manipulação, expõe a população feminina e negra a inseguranças fomentadas pelo Estado, e, por não proporcionar suporte, as acorrenta a seus agressores. Isso porque, em muitos casos, a dependência está ligada à busca pela sobrevivência, sobretudo com o aumento da insegurança alimentar durante a pandemia.



O papel da educação

Renda própria aliada à liberdade financeira e ao acesso à educação, são alguns dos fatores que possibilitam independência às mulheres, e desprendimento de relacionamentos violentos.


Em estudo do Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para Infância), intitulado “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, em 2020, cerca de 3,8% de jovens abandonaram às instituições de ensino. Com a pandemia da Covid-19, as aulas passaram a ser remotas, na maioria das escolas. Devido a vulnerabilidade econômica, ao apoio no ensino e a dificuldade no acesso à aparelhos tecnológicos, o cenário contribuiu para o agravamento na evasão escolar. Com obstáculos ao acesso à educação, muitas jovens não tiveram a rede de apoio encontrada nas escolas.


O setor da Educação é importante rede de apoio para o enfrentamento às violências. É importante a realização de políticas públicas com o objetivo de refletir e alertar meninas desde a fase escolar. Além disso, promover rodas de conversa e investir em projetos que envolvem a temática são importantes meios de escuta às jovens. Paula Ferreira, pedagoga do Cendhec e ativista do Fundo Malala no projeto “Na Trilha da Educação. Gênero e Políticas Públicas para Meninas”, destaca a importância das escolas em refletir que “Os índices têm demonstrado o quanto as mulheres negras estão ainda mais numa situação precarizada, estão num ciclo maior de violência. Nesse sentido você tem aí uma população que acessa a escola pública, que a maioria são meninos e meninas, negros e negras e periféricos, quilombolas ou do campo, e que são uma maioria que sofrem violências muito a partir dessa estrutura de desigualdade racial.”


Além de refletirem a gravidade do descompromisso governamental com classes mais baixas, os dados são o retrato das desigualdades raciais e de gênero, as quais resultam nos mais diversos graus de abusos às mulheres e meninas. Agressões explícitas - muitas das quais, apesar de graves, permanecem impunes - são o reflexo de diversas negligências do Estado e da sociedade civil, que comumente são naturalizadas. Com isso, Paula acrescenta: “A lei 10.639 vem realmente para ser pautada e ter mudanças comportamentais, transformadoras, no sentido de reconhecer uma identidade, que é a identidade negra. A educação vai precisar trazer essa lei, mas também outras, que vão combater as violências. A educação tem um papel fundamental de conscientização, de efetivação de política pública na vida dessas meninas e mulheres, negras em especial”.



Texto por: Luana Farias/Cendhec



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