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Como as mães enfrentam dias pandêmicos

Esse é o segundo Dia das Mães em que os lares brasileiros precisarão dividir a alegria da data comemorativa com o medo da pandemia.

A crise sanitária modificou muitas coisas, incluindo as dinâmicas familiares. Neste período pandêmico, as responsabilidades de gerir a casa, cuidar das filhas, filhos e do emprego, historicamente ligadas apenas às matriarcas das famílias, se entrelaçaram ainda mais, aumentando a dificuldade do malabarismo de responsabilidades que estas mulheres enfrentam.


O Brasil já apresenta um número expressivo de lares comandados por mães solo, pelo menos 11,6 milhões de casas se encaixam nessa descrição (IBGE 2015) e mais de 5,5 milhões de brasileiros não tem o nome do pai no registro de nascimento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Mas, de acordo com levantamento do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), esse número ainda pode aumentar. Segundo a pesquisa, a pandemia pode resultar em 7 milhões gestações sem planejamento familiar, fenômeno diretamente ligado a maior dificuldade de acesso a serviços e métodos contraceptivos.

Este é um cenário preocupante. Em toda a América Latina as mulheres encaram retrocessos profissionais por causa da covid-19. Apenas no Brasil, oitavo país mais desigual do mundo, quase 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho, e sua participação caiu a 45,8%, o nível mais baixo em três décadas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estes são fatores que desestabilizam a saúde financeira de núcleos familiares, que na maioria dos casos já se encontravam em situação de miséria. Ainda de acordo com o IBGE, pelo menos 56,9% das famílias chefiadas por mulheres com filhos vivem abaixo da linha da pobreza.


Sheila França, moradora da comunidade do Bode, no Pina, Zona Sul de Recife, sentiu na pele a diminuição da renda. Ela vive com seu marido e 5 filhos (Michael Nicolas, 13 anos; Alan Kaique, 11; Beatriz Nicole, 8; Adrian Kaique, 6; e Safira Vitória, de apenas 9 meses) em uma palafita, onde trabalha com a pesca de sururu e marisco. “Ser mãe é uma benção. É um sonho que eu sempre tive. Mas tudo está mais difícil por causa da pandemia. Eu sou pescadora, mas as vendas diminuíram e as chuvas desse mês mataram quase tudo no mangue”, comenta.


Além das dificuldades financeiras, Sheila sentiu a pandemia mexer na rotina e na educação dos filhos e filha. Sem acesso a este direito na infância, a pescadora não se alfabetizou e não consegue ensinar em casa. Deste modo, o fechamento das escolas impactou no atraso do letramento das suas crianças. “Já era normal dedicar mais horas a eles do que a mim, cuidar mais deles do que de mim, mas agora aumentou isso. Mais tempo dentro de casa, né?”, diz. “Darei graças a Deus quando as aulas retornarem e meus filhos possam voltar à escola para aprender.”


Por mais que as aulas presenciais sejam comprovadamente benéficas para o desenvolvimento intelectual e social das crianças, ainda não há condições para uma volta segura para meninas, meninos e equipe escolar. Com lacunas estruturais, falta de equipamentos, vacinas para profissionais da educação e aumento galopante de casos, escolas ainda apresentam perigo e são um local de contaminação, colocando diversas famílias em risco, tanto dos estudantes quanto dos demais trabalhadores da instituição.


Quando pensa no que gostaria de receber nesse dia 09 de maio, Sheila prioriza as necessidades das crianças. “Meu maior sonho e meu maior presente de Dia das Mães seria dar uma casa pros meus filhos. Uma casa digna, de terra. Aqui quando chove tem muita barata, muito escorpião. Não é seguro.”



Lucidalva Silva também quer realizar o sonho da casa própria. Com a ajuda dos seus filhos, está muito perto de terminar seu lar. Tijolo a tijolo ela; Larysa Silva, de 19 anos; Layson Barbosa, 14 anos; e Layron Barbosa de Lima, 9 anos, vão levantando paredes no terreno de Vila Independência, ocupação localizada em Nova Descoberta, Zona Norte do Recife. Lucidalva foi mãe pela primeira vez aos 15 anos, hoje, aos 34, enxerga a maternidade como alegria e desafio.


“A melhor parte de ser mãe é você sentir um amor verdadeiro e inexplicável. Mas a parte mais complicada é a educação. Você quer manter seu filho seguro, mas lá fora ele enxerga outro mundo, cheio de violência, drogas e más influências”, comenta. “Durante a pandemia, todo dia tem sido uma lição. Tenho passado muito mais tempo com eles, o que mudou tudo. Saímos totalmente da nossa rotina e eles reclamam porque não podem mais passear como antes, preciso explicar muitas coisas pra eles.”


No Dia das Mães, o que faria Lucidalva feliz seria a garantia da proteção dos seus filhos. “Queria que os governantes olhassem mais pra gente e não apenas para as pessoas dos bairros nobres. Queria mais educação, segurança e saúde. Muitas coisas que são responsabilidades dos políticos, mas que eles não cumprem. Vivemos hoje à mercê do perigo.”

O medo de Lucidalva encontra embasamento no número de violência contra crianças negras no país. Em relatório do Unicef divulgado em 2017, o Brasil é o quinto país no mundo com a pior taxa de homicídio de crianças e adolescentes. De 1996 a 2017, pelo menos 191 mil crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram vítimas de homicídio em solo nacional. Em 2014, 75% delas eram negras. Além desse número, estima-se, pelo IBGE, que cerca de 50% dos jovens negros entre 19 e 24 anos não tenham conseguido concluir os seus estudos.


Mesmo com toda a dificuldade, ela agradece por ser mãe. “Essa palavra abrange tantas coisas, tem tantos significados. Eu amo essa dádiva que Deus me deu. Eu amo cuidar dos meus filhos. Eu amo passar pra eles segurança, amor. Eu amo lutar por eles hoje, para que eles tenham direitos amanhã. Lutar para que o futuro seja melhor.”

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