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Abertura das atividades anuais da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara


Foto: Governo de Pernambuco/Divulgação

Nesta quinta (24) foram abertas as atividades do Ano da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara, instituído pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Com a participação do governador do Estado, Paulo Câmara, foi assinado o Protocolo de Intenções da Instalação do Memorial da Democracia de Pernambuco, no Sítio Trindade. O professor e presidente do conselho do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, Manoel Moraes, participará do evento. O casarão do Sítio da Trindade passará a abrigar o acervo reunido pela Comissão Estadual da Memória e Verdade, além de informações sobre as lutas libertárias ocorridas no Estado durante os anos de Chumbo. Entre os materiais estão documentos, fotos, vídeos e o próprio relatório da comissão. “O Memorial da Democracia foi criado a partir da lei que instituiu a Comissão da Verdade Dom Helder Câmara. Ou seja, na mesma lei já previa que ao término da comissão da verdade seria criado o Memorial da Democracia para que ele fosse um órgão de continuidade, dando seguimento as recomendações, ao acervo, afim de que a população tivesse acesso a esse material, para que pesquisadores pudessem explorar esse material. De fato, esse é um momento de cumprimento, de efetivação”, aponta Manoel Moraes. “É muito importante a criação do espaço para que a gente dê um recado. Ele vem em momento oportuno, um momento em que o mundo assiste o início de uma guerra. Contra a intolerância, contra o totalitarismo, contra qualquer autoritarismo, nós estamos dando um recado: Queremos a paz, a paz que é fruto da justiça. Então que este memorial venha, que ele seja acolhido pela sociedade como instrumento que permita contribuir na luta para que não se repita, para que jamais aconteça esses crimes.”

Confira o discurso completo de Manoel Moraes


Foto: Governo de Pernambuco/Divulgação

Exmo. Governador do Estado – Paulo Camara


Exma. Vice-governadora do Estado Luciana Santos Exmo.


Prefeito do Recife João Campos.


Amigas e amigos do Grupo de Trabalho Memorial da Democracia


Amigas e amigos Ex membros da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara


Senhoras e Senhores


A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara de Pernambuco foi empossada em ato solene, no Palácio Campo das Princesas, há dez anos atrás, pelo governador Eduardo Henrique Accioly Campos, no dia 1 de junho de 2012.


Recordo as suas palavras quando em seu discurso afirmou: “O Brasil venceu a escuridão. Pernambuco venceu a escuridão. E hoje, nesta solenidade, damos um largo passo para consolidar a democracia no nosso Estado e no nosso País. Porque não bastava avançar. É preciso ter rumo. Do contrário, ficaremos como o marinheiro que, tendo vento em suas velas, não sabe ajustar o leme para chegar mais cedo ao seu destino”.


Eloquente, o govenador continuou: “A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara cumprirá – tenho certeza – importante papel para a indicação dos rumos da democracia no Brasil. O seu compromisso essencial é com a verdade, base sobre a qual se fundaram todas as sociedades, nas mais diferentes culturas, que venceram o totalitarismo e o arbítrio. E a verdade é o contrário do esquecimento, é a capacidade de contar o que aconteceu”.


Hoje, infelizmente, o mundo acordou com uma nova guerra na Europa, que pode ter desdobramentos bélicos e humanitários devastadores. Milhares de Ucranianos vão somar um contingente ainda maior de migrantes e refugiados decorrentes de conflitos armados no mundo nesse momento.


Semelhante ao medo de uma guerra, a ditadura civil-militar de 1964, esteve associada a uma onda de ditaduras nos países latino americanos. Eram tempos de guerra fria e de enfrentamentos ideológicos entre o latifúndio contra a modernização cultural representada pela esperança promovida pela educação e a cidadania.


No discurso do Coordenador da Comissão, Dr Fernando de Vasconcelos Coelho, na sessão solene de posse, afirmou: “Em Pernambuco talvez tenham ocorrido as cenas mais violentas da repressão, talvez porque aqui a sociedade estava mais à frente dos demais estados. Talvez porque aqui na época de Miguel Arraes governador, os três poderes republicanos exercendo plenamente suas atribuições, os trabalhadores do campo começando a ser ouvidos, a juventude arregimentada vivendo em clima de plena liberdade. Aqui a história talvez andasse mais depressa, mais rapidamente. Um tanto na dianteira de seu tempo. Anunciando o tempo novo. Talvez, por isso mesmo, a repressão aqui tenha sido maior. O esforço para tentar paralisar a marcha da história tenha exigido mais do que, pela força, haviam se apossado do Poder”.


É marcha da história que estamos presenciando hoje. Curiosamente este Arraial do Bom Jesus foi também um ponto importante das guerras coloniais. Neste solo, repousam balas de canhões, que foram atiradas contra pessoas que resistiram por anos. Ao mesmo tempo, partiu desse solo a retomada que unificou nosso ancestrais no desejo pela liberdade.


Estes valores foram retomados na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador. Momentos históricos eternizados em nossa bandeira, em nosso hino, em nossos símbolos.


Não é coincidência que Paulo Freire e seus amigos educadores e intelectuais escolheram este lugar de resistência para que, na década de 1960, o casarão abrigasse o Movimento de Cultura Popular (MCP).


O MCP tinha por objetivo contribuir na formação política e social da sociedade, no intuito de prepará-la para uma cidadania ativa, orgânica e crítica.


Foram três anos (1961-1964) de intensa atividade, utilizou-se rádios para transmitir lições para alfabetização e educação de base. Educadores integraram uma pedagógica baseado na identidade, cultura e vinculo social. Mas não parou aqui, outros locais e cidades ampliaram o conceito transformando “parques” e “praças de cultura” em trincheiras da defesa da dignidade de nossa cultura popular.


O conceito de cultura popular era revolucionário, porque superava uma ideia de educação como instrumento de reprodução do status quo, aqui, nasceu um projeto republicano de ensino.


E, por isso, dias depois do golpe civil-militar de 1964, forças militares com tanques invadiram este espaço, e, recolheram todo o material do MCP acusando o seu conteúdo de subversivo.


Os integrantes do MCP passaram a ser perseguidos, detidos e exilados. O medo foi instalado como política de Estado. A experiência foi encerrada, mas como vemos hoje, seu projeto vive.


O Memorial é um equipamento educativo, dinâmico e deve ser um ponto de partida para uma política pública de memória, que amplie em outros municípios o conhecimento das gerações futuras sobre a indignidade de uma ditadura militar.


Os documentos disponibilizados neste espaço revelarão 21 anos de perseguições, repressões e torturas, praticados por ex-agentes dos órgãos de segurança do Estado, contra Pernambucanos aqui e em outros estados do Brasil. Foi a estes Pernambucanos que dedicamos o relatório final, “às vítimas da repressão e aos familiares e amigos que nunca desistiram de lutar”.


Que o memorial seja uma base para outros e muitos projetos de pesquisa. Espaço acessível aos pesquisadores, historiadores e à sociedade como um todo. Em um mundo que assiste bombas novamente soando na Europa, nossa mensagem é a resistência por justiça e paz.


Excelências, desejo externar, por último, a alegria, do reconhecimento de que o nome do nosso coordenador da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara integre a denominação oficial do Memorial. Como jurista e defensor de direitos humanos Dr Fernando Coelho foi um pilar, um timoneiro desse projeto. Nada poderia ser mais propício que seu legado jurídico e político ser integrado a um equipamento que terá como missão a denúncia dos crimes contra humanidade praticados contra nossa sociedade. Mas também a memória dos justos, anônimos que não se curvaram ao poder.


Termino lendo os versos do poeta Thiago Mello: Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente):


Artigo I.

Fica decretado que agora vale a verdade.

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.


[...]


Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade.

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964

Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto: Porque a Manhã Vai Chegar (1965).


In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira

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