25 de Outubro - Dia Nacional da Democracia: A defesa ainda é necessária
“É preciso continuar a acreditar na democracia, mas numa democracia que o seja de verdade”. Encorajava e apontava o escritor José Saramago, referente à vigência do sistema democrático. O trecho do livro se encontra na quarta edição do Cadernos de Lanzarote, lançado em 1997.
O Dia Nacional da Democracia, celebrado nesta segunda-feira, reconhece a importância de um Estado de Direito e alerta para a necessária defesa do sistema democrático do país. A data, dia 25 de Outubro, foi motivada pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, uma das múltiplas vítimas da Ditadura Militar no Brasil e um dos maiores símbolos da luta pela redemocratização.
Caracterizado, sobretudo, pelo abuso de poder, uso da violência e do ataque ao Estado de Direito, o regime militar foi um dos períodos antidemocráticos e caóticos na história do país. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, no relatório final divulgado em 2014, foram confirmadas até aquele momento, cerca de quatrocentas pessoas torturadas e/ou mortas no período.
Os governos autoritários passados no Brasil refletem suas manifestações até a atualidade. Mesmo durante e após o processo de redemocratização, teoricamente concluído com a promulgação da Constituição de 1988, o direito ao voto, por si só, não assegura um sistema democrático. A exemplo de governos posteriores, os quais, apesar de eleitos democraticamente, falharam na garantia de igualdade de direitos na sociedade.
Em março deste ano, a Professora Associada do Departamento de História da UFRPE, Marcília Gama e o Professor do Centro de Educação da UFPE, Thiago Nunes, lançaram a coletânea “Pernambuco na mira do golpe” - com volumes 1, 2 e 3. Embora tenha focado nas diversas resistências protagonizadas em solo estadual, as obras contribuem intensamente para o debate nacional acerca do Golpe militar, uma vez que se torna conhecimento de domínio público disponibilizado gratuitamente em e-book. “A ideia era contribuir com o debate nacional sobre o Golpe civil-militar, tendo por epicentro o estado de Pernambuco, por seu passado de lutas e pelo significado que representa no cenário nacional no contexto repressivo, mas também de resistência.”, salienta a historiadora. Nomes como Gregório Bezerra, Padre Henrique - colaborador do Dom Helder Camara - e Anatália de Souza Melo, são símbolos da luta e resistência pernambucana.
No áudio você escuta Marcelo Santa Cruz, ativista pelos Direitos Humanos, integrante do conselho do Cendhec e irmão de Fernando Santa Cruz, assassinado por militares durante a Ditadura.
Reflexos do autoritarismo no Brasil
A violação de direitos básicos é uma maneira de manutenção das desigualdades no país. Nos diversos setores que prometem garantir a democracia brasileira há rombos quando o debate é assegurar o cumprimento dos direitos à toda população. Evidentemente, devido à linguagem colonial e escravocrata a qual o Brasil foi construído, o alvo central da antidemocracia é a população pobre, negra e indígena. Não à toa esses grupos ocupam majoritariamente as periferias do país, lugares nos quais revelam-se as desigualdades. Além da negligência de direitos básicos, como a educação, a ciência, o meio ambiente, a cultura e a saúde.
Segundo dados mais recentes do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), ao observar o índice de Gini (medida para a desigualdade), a disparidade de renda no Brasil caiu entre os anos de 2002 e 2015, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, mas logo voltou a crescer após o golpe de 2016. Hoje, o país conta com mais de 116 milhões de pessoas com algum grau de insegurança alimentar, número recorde de desempregos e mais de 600.000 mortos na pandemia. Fatores que enfraquecem a democracia. Houve uma escalada, também, de células nazifascistas em nosso país, embasadas no discurso de ódio propagado pelo presidente. De acordo com a antropóloga Adriana Dias, que há duas décadas pesquisa sobre o tema, entre 2015 a maio de 2021 estes grupos passaram de 75 para 530. Em dados colhidos pela Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos da plataforma Safernet Brasil, é possível constatar que denúncias sobre conteúdos de apologia do nazismo nas redes aumentaram. Em 2015, foram 1.282 casos, ante 9.004 em 2020.
Nos anos finais da última década, as atuações antidemocráticas tornaram-se recorrentes e ainda mais explícitas. Conforme observa o relatório Variações da Democracia, de 2020, do instituto V-Dem, o Brasil foi o 4° país com a maior queda no índice democrático. O dado alerta para o retrocesso assistido no atual governo brasileiro. Ataques à imprensa, evocação a torturadores do Regime de 1964, bombardeamentos de fake news e cortes expressivos de recursos para áreas essenciais da sociedade, como a educação, são alguns dos comportamentos antidemocráticos difundidos no governo Bolsonaro - e a lista é crescente. “Como a experiência da liberdade democrática é tênue, facilmente é manipulável o discurso que, propositalmente a associa a desordem, balburdia, ‘anarquia’. O que é um perigo, na medida em que parte significativa da sociedade fica suscetível a embarcar no discurso de ordem estigmatizado pelas elites conservadoras”, Thiago Nunes reitera.
Em sua obra, que mesmo após 24 anos continua atual, Saramago enfatiza a necessidade da defesa contínua para efetivação de uma sociedade democrática: “Democracia é luta. Luta por nenhum direito a menos. Por igualdades sociais”. Também acreditando nisso, os historiadores Marília Gama e Thiago Nunes vem a urgência de mover o sistema, promovendo a “união de todos os segmentos sociais em defesa da democracia, numa grande frente político-social e partidária, semelhante a campanha das “diretas já”, para blindar qualquer iniciativa golpista! Paralelo a isso e não menos importante, em diferentes canais de comunicação, criação e divulgação de campanhas de esclarecimento à população, nas escolas, nos cinemas, nas rádios, tvs, redes e mídias sociais, em defesa da democracia, esclarecendo a sua importância e convocando à população a defendê-la.”
Texto: Luana Farias
Arte: Karla Linck
Fontes:
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