A Lei Áurea considerou o que aconteceria após o dia 13 de Maio de 1888?
Por Angélica Alves*
No dia 13 de maio “celebra-se” a assinatura da Lei Áurea no ano de 1888, que, por sua vez, decretou a abolição da escravatura no Brasil. Assinada pela então Princesa Isabel, na época sucessora ao trono do país, o fato histórico vem sendo narrado, desde então, sustentado principalmente no entendimento de que a lei foi o resultado de uma atitude benevolente por parte da princesa para com os escravos.
Ocorre que o fim do trabalho escravo, no Brasil, foi fruto de muitas lutas coletivas e individuais das pessoas negras escravizadas que, há muito, já resistiam e se rebelavam ao trabalho escravo. Cabe lembrar que o Brasil foi o último país das Américas a abolir oficialmente a escravidão, dado que já aponta para uma resistência histórica ao processo cujas repercussões são vivenciadas nos dias atuais.
A Lei Áurea não considerou o que sucederia ao dia 13 de maio de 1888. Os negros foram libertos dos cativeiros e aprisionados na total ausência de políticas voltadas para o acesso à moradia, alimentação, saúde e educação. Em 2020, após 132 anos da abolição da escravatura, a realidade da população negra no país permanece muito próxima daquela de 1888. Que liberdade é essa que estima que 75% dos brasileiros que vivem em situação de extrema pobreza são pessoas negras? Que mais de 60% dos desempregados são pessoas negras? Que mais de 65% da população carcerária são negros? Que 4 em cada 19 jovens negros não conseguem concluir o Ensino Médio? Que 75% das pessoas mortas durante intervenções policiais são negras?
Nesse 13 de maio de 2020, em pleno cenário de pandemia em decorrência do Covid-19, tais reflexões tornam-se mais do que importantes, elas são urgentes. Por todo o percurso histórico, são as populações negras, periféricas, quilombolas que se mostram mais afetada pelo Coronavírus. No contexto pré-pandemia já era essa população que mais padecia sem o acesso aos direitos sociais básicos e não será diferente agora. É preciso redobrar todos os esforços para proteger nossa história, nossa ancestralidade e nosso povo. E reafirmar a nossa resistência e aliança enquanto povo negro.
*Angélica Alves é psicóloga, mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e compõe a equipe do Programa Direitos da Criança e do Adolescente, no Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec). Atua diretamente no projeto Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos, que tem como público comunidades quilombolas no Sertão pernambucano.