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Alteração no relatório da Comissão Nacional da Justiça reforça censura


Foto: Memorial da Democracia / Divulgação


Neste mês, a justiça de Pernambuco agiu para que um capítulo da história da Ditadura Militar brasileira fosse apagado. O juiz Hélio Silvio Ourém Campos, da 6ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, determinou a retirada do nome do ex-coronel da Polícia Militar de Pernambuco, Olinto de Sousa Ferraz do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).


A justificativa dada foi que “inexiste fatos concretos negativos contra o militar em questão e da incerteza quanto a sua suposta omissão à época da morte de Amaro de Carvalho”.



ENTENDA O CASO


Em 1963, Olinto de Sousa assumiu o cargo comissionado de diretor da Casa de Detenção do Recife. Na época, presos políticos eram encaminhados para lá. Em 1969, durante um difícil período da Ditadura, Amaro Luiz de Carvalho, camponês e militante vinculado ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), foi preso, acusado de incendiar canaviais.


Em 22 de agosto de 1971, Amaro foi morto. A causa divulgada pela Secretaria de Segurança de Pernambuco foi de que teria sido envenenamento pelos próprios companheiros de cela. No entanto, a perícia, ainda nesse tempo, constatou que a morte se deu por "hemorragia pulmonar decorrente de traumatismo de tórax por instrumento cortante".


Para a Comissão Nacional da Verdade, os agentes do estado decorreram em ação perpetrada pela morte do militante.

RELATÓRIO DA CNV


A Comissão Nacional da Verdade trabalha para investigar as graves violações de Direitos Humanos que ocorreram durante a Ditadura Militar. Ao tomarem conhecimento da ação do juiz Hélio Silvio, emitiram um relatório, apoiado por diversas pessoas e entidades, em que apontam a continuidade das investigações sobre o caso e a responsabilização dos envolvidos no assassinato de Amaro.


“Este tipo de sentença judicial é ofensiva aos familiares e vítimas da ditadura, fere a Lei de Acesso à Informação (LAI) que proíbe a restrição de acesso a ‘informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos Direitos Humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas’ e determina que ‘a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância’”, expõe o relatório.


Descumpre, ainda, a LAI “ao ocultar informações que desrespeitam a uma ação voltada para a recuperação de fatos históricos (Lei 12.527/2011, art. 31, § 4º)”, como explica a nota emitida pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.


Da mesma forma, foi rememorado um acontecimento de 2017, em que o juiz Friedmann Anderson Wendpap, “determinou a modificação de documentos custodiados em caráter permanente pelo Arquivo Nacional e não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes. O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da Ditadura. Neste caso, a União conseguiu reverter, pelo menos, a decisão de suprimir partes do relatório”, certifica a Comissão Nacional da Verdade.


Espera-se que, igualmente, a Advocacia Geral da União (AGU) e a Defensoria Pública da União (DPU) recorram para anulação da sentença, para mudar o artifício de anonimização, que “ofende a ampla jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de memória, verdade e justiça, além das sentenças especificamente dirigidas ao Brasil (Caso Gomes Lund e Caso Vladimir Herzog) que determinou a todas as autoridades de todos os poderes do país a adotar medidas para garantir o direito à memória e à verdade”, sustenta o relatório.


Atualizações recentes comprovaram que o Ministério Público Federal não foi intimado durante o processo. Em documento divulgado, o MPF afirmou que defende a "nulidade absoluta decorrente da falta de intimação do MPF para intervir obrigatoriamente no processo, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região".


Leia a nota na íntegra:



MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA


Vítimas, familiares e entidades ligadas aos Direitos Humanos repudiaram a decisão judicial. As tarjas que cobriam o nome do ex-coronel seriam para defender a “imagem, honra do militar e sua família”. Mas quem defende os torturados, presos, mortos e perseguidos desse período desumano?


“O governo bolsonarista nega a ciência, a ditadura, e enaltece a violência do passado e do presente. Esse ataque à memória é também a todos que viveram à época e viram seus companheiros morrerem. Reverbera na subjetividade a violência irradiada do governo, e traz recordações difíceis. Não podemos deixar passar despercebido o que aconteceu”, declara Vera Vital Brasil, presa política durante a ditadura, atuante do Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro, integrante do Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça e da Plenária Anistia Rio.


A tentativa de silenciamento fortalece o que deveria ser rejeitado e contribui para uma democracia frágil e debilitada.


O Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec) enviou uma comunicação para a Organização das Nações Unidas (ONU) e para a Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil é membro, relatando o ocorrido. A atuação internacional do centro reforça o papel informativo, levando em consideração a militância histórica defendida pela organização e as personalidades envolvidas.


Os nomes dos algozes nunca serão apagados. A luta é “para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça”.


MEMORIAL DA DEMOCRACIA


Nesta quinta (24) serão abertas as atividades do Ano da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara, instituído pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Com a participação do governador do Estado, Paulo Câmara, será assinado o Protocolo de Intenções da Instalação do Memorial da Democracia de Pernambuco, no Sítio Trindade, às 16h.


O professor e presidente do conselho do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, Manoel Moraes, participará do evento. O casarão do Sítio da Trindade passará a abrigar o acervo reunido pela Comissão Estadual da Memória e Verdade, além de informações sobre as lutas libertárias ocorridas no Estado durante os anos de Chumbo. Entre os materiais estão documentos, fotos, vídeos e o próprio relatório da comissão.

“O Memorial da Democracia foi criado a partir da lei que instituiu a Comissão da Verdade Dom Helder Câmara. Ou seja, na mesma lei já previa que ao término da comissão da verdade seria criado o Memorial da Democracia para que ele fosse um órgão de continuidade, dando seguimento as recomendações, ao acervo, afim de que a população tivesse acesso a esse material, para que pesquisadores pudessem explorar esse material. De fato, esse é um momento de cumprimento, de efetivação”, aponta Manoel Moraes. “É muito importante a criação do espaço para que a gente dê um recado. Ele vem em momento oportuno, um momento em que o mundo assiste o início de uma guerra. Contra a intolerância, contra o totalitarismo, contra qualquer autoritarismo, nós estamos dando um recado: Queremos a paz, a paz que é fruto da justiça. Então que este memorial venha, que ele seja acolhido pela sociedade como instrumento que permita contribuir na luta para que não se repita, para que jamais aconteça esses crimes.”

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